Ana

anorexica

Filetes de sangue rabiscavam a palidez na parte interna da sua coxa esquerda, quase ali. Mais um risco minúsculo para você lembrar que chegava perto da liberdade. Só três quilos. Menos três quilos e pronto. Mordidas no travesseiro. Sono ou anfetaminas se a fraqueza chegasse. Tapas no rosto, muitos tapas no próprio rosto, caso você não conseguisse se controlar. E o melhor de tudo, você tinha a gilete que aliviava no final. Era tranquila por fora. Tinha a saída para tudo. Taurina. Determinada. Podia pular a janela. Por enquanto, só pulava as refeições.

As well as appearing in yogurt, lactobacillus naturally inhabits the human vagina. It survives passage through the gut and can easily traverse the short distance from the anus and colonise the vagina. Once there, the bioengineered bacteria would churn out compounds that inhibit transmission of HIV, thus helping prevent infection. Você vomitou depois.

Vomitava tudo. Sua fome era de outras coisas. Positivas, de gente leve, de gente iluminada. Eu sou luz, eu sou paz, eu sou luz, eu sou paz. Eu sou Leve. Leve. Levesó coisas elevadas podiam entrar em você. Sonhava o mesmo sonho de um lugar muito limpo e espaçoso, onde tudo brilhava. Tudo em harmonia, tudo light. Parecia vazio, mas tava cheio de coisas invisíveis que você sentia. Coisas boas. Coisas vagas que você não conhecia. Coisas que eram tudo de bom. Queria dividir aquilo tudo, não sabia como. Queria multiplicar aquela luz toda. Só que sentia que ninguém ia querer o que você tinha para dar. Que fazer com aquilo tudo?

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Noutro dia de manhã o vento gelado na bunda sem carne caminhando passiva para a entrada da escola. O vento forte te empurrando pra frente. Você não sabia mais o que era conforto dentro daquele casaco de pele que era seu corpo, os ossos cada vez mais pesados lá dentro. As marcas também. Da pele, da alma, pesavam de doer. Precisava ser autenticada por aquelas marcas todas. Sentava no fundo. Precisava daquilo tudo que você arrastava da escola pra casa, para o shopping, as festas, cinemas, aniversários.

Não nasci, fui cagada. E a empregada, quase sempre a única pessoa com quem repartia o cotidiano na casa de vinte e tantos cômodos, Não fala assim, fia. Pai e mãe sempre gostam da gente. A comida dela era uma merda. E você detestava merda e detestava a comida que essa merda lembrava. Era um círculo infernal da merda que lembrava comida que lembrava merda que lembrava comida. Uma merda. Comida engorda, merda engorda, recheia a barriga da gente. Eu sou um saco de merda, de merda e de banha. De banha de merda.

Chorava toda madrugada sem entender. Achava que era proximidade de outro dia que detestava. Fosse o motivo da tristeza tão funda, tão sem fim, tão lá de dentro de você, só passava quando ligava a TV. Você não se importa com política, não gosta, não quer entender. Quer que o ENEM se foda. Não sente culpa por tem anulado o voto que também não ia mudar nada, porque nada muda nesse país desde sempre, como papai sempre diz, o pai que você quase nunca vê. Essa entidade que só serve para pagar as contas, substituir carro e o smartphone todo começo de ano e dar conselhos que você sabe, como eu, que nem ele acredita e só dá para se sentir cumprindo o dever a que seu “papel de pai” o obriga. Seu pai é um péssimo ator. A gente sabe. Eu sei. Você sabe. Todo mundo.

Pensa em se masturbar quando fica alegre demais. Pensa em descer para o litoral, até a casa de praia com cheiro de mofo. E a empregada Vai, fia, vai tomar sol. Tão branquinha! Convida as amigas.

Muda de ideia quando coloca o biquíni Gorda! Gorda! Gorda! Não vou sem perder esses três quilos. Falta tão pouco!, o coração acelerando. A vida inteira para descer até o litoral, a vida ali na sua frente, esperando. Um dia desceria. Magra. Tinha certeza, como alguns cientistas têm da décima dimensão.

Naquele sábado, você subiu.

Primeiro as escadas.

A anfetamina batendo forte.

Quatro de uma vez para acelerar o metabolismo.

Vontade d… Preguiççç.

Da… dançar…

ssssem saco pra… Vontadse de… vontadse…vo-miii-tar. Vouvomita…

Você caiu.

Caí?

Dura.

Dura?

Durinha. Demorou a ficar roxa.

Você morreu tentando cuspir a língua enrolada, delirando engasgar com um pedaço de frango com pele. Muito, muito calórico.

Você morreu.

Morri?

Ainda bem que eu sobrevivi para contar a história. Ainda bem que eu estou aqui no seu lugar, sua louca. Ainda bem que nem seus pais, professores, colegas, nem esses médicos e enfermeiras sabem disso. Nem aquela empregada que cozinha tão mal. Nem você mesma deve saber. Você tem que esquecer isso tudo. Tudo. Agora começa outra vida. Magra. Zerada. Agora começa tudo de novo. Vê se faz direito dessa vez. E nem sonhe em engordar de novo!

ANOREXIA from beatriz galindo on Vimeo.